quarta-feira, 19 de março de 2008

Vidas no Plural


Vidas no Plural

Tem horas que o amor, chega numa nau iluminada, durante a madrugada fria e estaciona bem perto de nós. Há momentos que o sentimento invade e faz o aquário esparramar. A janela embaça, o coração palpita e o desejo grita.
Tem horas muito especiais, onde as coisas se conjugam na primeira do plural: Nós...

Vejamos...

Dormir com quem se ama é uma benção, melhor ainda é despertar ao lado desta pessoa. Imaginem a cena: acordo de manhã mais cedo e observo o rosto desprotegido e indefeso da pessoa amada, observo seu corpo desarrumado sobre o lençol.
Me transformo em voyeur e vou vasculhar o rosto de quem tanto amo. A primeira pergunta é por que sou tão privilegiado de estar ali ao lado, deitado junto ao cheiro e ao corpo de quem amo, sentir seu calor e sua pele de manhã bem cedo, antes mesmo que a luz do dia penetre em nossa cama.
Sou um navegador embriagado em busca de sua geografia, do relevo e das saliências (im)perfeitas de seu corpo, das fronteiras e marcas que separam cada detalhe do seu rosto.
Todo amante em sono profundo é uma criança indefesa e um sentimento de plenitude e poder maternal nos invade. O que eu ainda posso descobrir? já conheço tudo, mas me ponho a desvendar como desbravador solitário todas minúcias do seu ser.
Quero desvendar seus mistérios...sim seus pequenos defeitos e segredos.
Como queria penetrar nos seus sonhos, saber por onde anda e que fantasmas o assombra!
Me descubro mais apaixonado e amando cada mínima imperfeição percebida: sua palpebras cerradas, sua sobancelha despenteada e falha, seus labios ressequidos, o cabelo despenteado.
Há uma cicatriz pequena, uma marca antiga de uma catapora, o nariz meio grande demais, uma falha entre os dentes. Amo tudo isso e percebo como tudo é simétrico: os braços amassados embaixo do corpo desajeitado, os pequenos movimentos involuntários, as mãos espremidas embaixo do travesseiro, aquele ronco leve...
Como o meu amor só permite que eu encontre beleza e perfeição em tudo que vejo?
Todas as pequenas falhas prontamente são encobertas e corrigidas e o coração acelera a cada movimento de seu corpo.
Não quero que acorde: "Sim, por favor permaneça aí sobre meu domínio" - penso.
Julgo que a pessoa amada me pertence, ali a observo, e ela está cativa e sob meu domínio agora e para sempre. A felicidade me invade, sinto vontade de acariciá-la mais forte, sentir mais seu calor e beijá-la, mas não posso, resisto.
Enquanto seu sonho durar meu sonho se eterniza.
Ali estou eu, feito criança enquanto a mãe lhe prepara o doce preferido, ali estou eu feito basbaque a amar em silêncio a perfeição que protejo. Eu sou seu, ela também é minha, anjo da guarda.

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