sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sozinha ou solitária?





Vou inventar um nome e um pequeno relato biográfico na terceira pessoa. Muita gente conhece alguém assim. Nossa personagem poderia ter sido retirada de um destes seriados que constroem um retrato familiar atípico. Na verdade as famílias hoje têm os mais diversos tipos de arranjos e formas e parece que em matéria de criatividade poucas formações sociais foram tão longe...

Luiza: 37 anos incompletos, várias vezes "casada" e recentemente mais uma vez separada. Mora só desde os 28, quando saiu da casa das amigas com quem dividia para alçar seu vôo solo. Conheceu Marcos por quem se apaixonou e queria formar família. Ele recebeu proposta de ir morar no Canadá. E lá se foram suas esperanças. Depois de muito desconsolo, Luiza percebeu que não tinham nada a ver e que seu novo cafofo era muito mais aconchegante que imaginava.
Luiza está sempre namorando, mas também sempre se separando.
Não que ela seja uma mulher difícil, não que ela tenha defeitos inconfessáveis ou esteja predestinada a viver só. Talvez Luiza seja uma caricatura bem humorada das mulheres independentes de sua idade. Seus pais são separados. Sua mãe casou de novo, seu pai conheceu uma mulher 10 anos mais nova, mas que dois anos depois perdeu em um atropelamento.
Por ironia do destino, ele também mora só, como Luiza, mas em uma pequena casa alugada em um bairro qualquer da classe média paulistana.

Luiza é arquiteta e trabalha com decoração, adora criar ambientes e projetar sonhos, como ela diz. Seu apartamento é um dois quartos bacaninha, com sala espaçosa e visual clean. No centro, duas poltronas assinadas, encarando uma a outra, uma mesa de centro sólida e espaçosa. Mais ao fundo, alguns pufes de canto coloridos contrastam com as paredes brancas e vazias de imagens, sombras e quadros.

Sobre a enorme mesa se esparramam suas revistas e livros de arte, seus antigos CDs de Jazz, um cinzeiro para as visitas e alguns objetos originários da última viagem.
Na sala ela prefere sentar no chão. Encosta as costas em um seu pufe de estimação e fica folheando as páginas das inúmeras revistas que ganha e assina. As vezes recebe algumas poucas amigas mais próximas ou um ou outro rolo ou namoradinho em que ela confia um pouco mais.

Luiza não é solitária e nem sozinha, mora só por opção e não lamenta ou sofre com isso.
Se isso fosse cem anos atrás, ela seria seriamente estigmatizada, se morasse em alguma pequena cidade, muita gente falaria pelas costas e condenaria seu estilo de vida, mas Luiza mora em um grande centro, em um destes prédios de quatro apartamentos por andar onde mal se conhece o vizinho de porta. Ela é uma estranha para muitos moradores de seu condomínio vertical e sua janela dá para um enorme estacionamento. Nenhuma outra janela indiscreta a espia nas madrugadas adentro.

Seu quarto revela um pouco mais de sua alma. Ali há mais conteúdo e formas, segredos e memórias, gavetas e fotos. Seu quarto é literalmente seu baú. Quando vai ler ou dormir ali, ela fecha a porta para não ser incomodada pelo silêncio e luz do resto da casa. Luz que ela insiste em deixar acesa 24 horas do dia, 30 dias por mês, desde que seu último namorado bebeu demais, a ameaçou e bateu a porta para nunca mais ligar.
O nome dele não nos interessa agora, o curioso foi que ele chegou a se comunicar. Mandou dois emails de desaforo e ainda abriu o jogo: admitiu que a traía constantemente com uma ex.
Luiza naquela noite não dormiu, ficou sob a luz e presença de uma velha luminária que sua vó tinha lhe dado na adolescência. No outro dia acendeu duas velas e rezou. Não era praticante, mas foi educada católica. A luminária do corredor, esta está acesa e estrategicamente posicionada.

Mas voltemos ao seu baú.
É um quarto confortável com vista para o horizonte cinza da cidade. Na janela, muitas vezes se debruça enquanto ouve Ella ou fala no celular. A televisão fica no quarto de dormir, de frente pra cama king size que recentemente comprou. Gente que mora só adora gastar com cuidados e coisas pessoais. Gostam de se sentir valorizados, se presentearem e sentirem que merecem.

Mulheres solteiras morando só são uma população que não cessa de crescer. Talvez as mulheres se sintam melhor e mais adaptadas a casa, talvez não sejam mais tão dependentes de um homem e de um torax protetor, talvez até elas sintam falta de um e escrevam páginas lacrimosas em seu diário, durante aquelas longas noites de vento frio. Talvez... , mas Luiza é uma mulher forte, muito mais esperta e independente que muito homem por aí e prefere a companhia de seu jazz e de sua luminária a solidão entediante de um casamento de aparência.

Um comentário:

Nanda Coelho disse...

Adorei o texto!
Estou me sentindo a própria Luiza.