segunda-feira, 17 de março de 2008

Sobre Toques e Delícias


Alguns amantes, poderia se dizer, candidatos aos périplos do coração e as maratonas da sorte, combinam que as carícias antecedem as intimidades do sexo, como uma espécie de espera e recompensa, ou rito de passagem, para as peripécias tardias e mais intimas dos lençóis.
Mas naquela noite, ali no quarto branco, somente os toques precederam e prevaleceram, antes mesmo do primeiro beijo.
As vezes saímos pela noite adentro a espera de vencer a solidão e se encantar. Pois é, tudo tem seu tempo e lugar.
Antes do olhar de raspão veio um esbarrar de peles, um entrelaçamento intimamente mínimo, mas necessário para que as duas pupilas se percebessem no meio daquela multidão de olhos e pernas, de decotes, bocas, ombros e orelhas.
Uma festa qualquer, daquela que vamos sem sequer, sem sermos convidados e desinteressados mesmo em conhecer o anfitrião.
Tudo começou assim: um frêmito que se originou de um súbito olhar que nasceu de um despretencioso esbarrão ao primeiro encontro. Um olhar já entediado esbarrava a barra do vestido num outro olhar fugidio e blasé que acendia seu quarto cigarro na noite.
Foi ali "sem querer querendo" que ela ficou, parada alguns dois ou três segundos sentindo sua mão, instante fulminante em que o tecido que lhes cobriam já começava a fumegar e se medissem as temperaturas, iriam perceber que seus corpos ardiam de forma desejante e desejada.
No começo foi assim, depois viria a via crucis do corpo. Seus dedos bobos alisaram seu ombro direito e ela permanecia ali, assombradamente envolvida de corpo inteiro. Uma pele muito branca como de uma deusa talhada em mármore a luz de candelabros e velas era tocada por
uma mão morena, um braço forte de ebano curtido ao sol das 12 horas em algum lugar dos trópicos abaixo da linha do equador.
Um sorriso e um olhar de cumplicidade se seguiram e o contraste sensual do preto no branco,
no bronze no marmore provocaria arrepios e delírios dos mais conservadores, castos e assexuados. Foi questão de segundos para eles se apaixonarem. Foi amor e desejo ao primeiro toque. Esbarrar para se apaixonar.
E logo vieram pequenas palavras soltas ao acaso. Mal se escutavam e um tal de eu bebi vodca demais de um lado, misturado com um não se preocupe porque eu estou adorando do outro e um som de está muito quente aqui dentro e eu tinha pensado a mesma coisa... que não se sabe bem ao certo se eles se comunicavam com palavras e gestos ou sussuros e olhares.
Não se desgrudaram mais, ele a acompanhou para pegar a bolsa com a amiga, segurando e sentindo sua mão delicada. Ela olhava pra trás e retribuía sorrindo em lábios e pensamentos. Saíram e ele disse antes que atravessassem a rua um eu te adorei desde o primeiro instante que minha mão percorreu você.
E este eu te adorei tão sincero pareceu para ela, uma ameaça de encantamento sem volta, um atalho para o rio em busca do mar, um convite para uma vertigem adiada.
Ela percebia uma certa timidez nas suas palavras, que contrastava com seus dedos rápidos vasculhando em silêncio as brechas do seu vestido. Parece que seus corpos não podiam mais esquecer a memória do primeiro encontro e, então, saíram pra ver a noite.
Por descuido ou por malícia das horas, já se fazia dia e raios de luz cruzavam o horizonte. Caminhavam pelas calçadas como se pisassem sobre a areia fina da praia, riam e falavam alto, coisas incompreensíveis que dizemos quando caímos em ancantamento profundo.
Fingiam para si mesmos que o ronco dos motores acelerados dos carros fossem roncos de ondas do mar a invadir e inundar a cidade inteira.
Foi aí que ela sugeriu que eles subissem ao seu apartamento. Antes de cruzar o enorme portão, ele segurou levemente sua mão e parecia dizer em silêncio um "quer ficar comigo pra sempre neste instante" que a vertigem selvagem quase enfraqueceu suas pernas, e ela encantada respondeu em silêncio um efusivo "para agora aqui e todo o sempre...

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